10.07.09

Hm, já passou da hora.

Como costume, estou atrasada.

Lá chego ao sítio combinado e ele diz-me que ainda não chegou.

Como costume, está ainda mais atrasado do que eu (É bom ver que certas coisas nunca mudam!).

Ele chega. Vamos a andar em direcção um ao outro, até que paramos frente a frente. Em silêncio. Olhamo-nos longamente...e sorrimos... estamos os dois tão diferentes desde a última vez!

Vá, já chega de melancolia.

Entramos no carro e  ele conduz-me para um bar simpático, boa música, confortável, um ambiente místico.

As piadas do costume, as piadas privadas de quem já partilhou histórias. E que histórias!

Uma brincadeira leva a que, por momentos, fiquemos frente a frente, com uma proximidade desconfortável...

Sinto os seus olhos a olhar nos meus, como se procurasse algo. Alguma resposta, alguma confidência... Ele sorri, e percebo que encontrou o que procurava...

 

"Mona Lisa", diz-me.

"O quê?"

"Mona Lisa. Tu és como a Mona Lisa!"

"O quê? Sou uma obra de arte é?"  brinco.

 

Mas ele continua sério.

"Hum, mas não é isso. Escondes alguma coisa. Não dá para decifrar o teu sorriso."

"Ah sim... a velha piada do mistério."continuo a rir. Costumavas ser tu o alvo, no entanto.

"É, é isso. Parece-me sempre que me escondes alguma coisa. Principalmente agora."

 

E ele dá-me um sermão. Ele, a dar-me sermões, como é possível?

Fala-me de felicidade, de sorrir, de cumplicidade, de amizade. Diz-me que um amigo nunca sorri à frente do outro só porque sim, sem vontade.

Um amigo conta quando não está feliz, desabafa, chora,...

Fala-me durante minutos e minutos, enquanto eu olho para o chá gelado que tenho na mão. Vou mexendo com a palhinha, brinco com as pedras de gelo... vou derretendo, coloco na boca, bebo uns golinhos... Tento abstrair-me da sua voz, tento não deixar que me invada... Mas que lhe deu hoje? Porquê que me está a dizer isso tudo? Que sabe ele? Não sabe nada de mim... não lhe contei o que se passa. Como percebeu?  Como consegue encontrar as palavras certas?....

 

Tarde demais. Foge-me uma lágrima. Sinto-a a escorrer na cara, até o canto da boca...

 

Ouço a sua voz a fraquejar... Olho para ele, e ele já não olha para mim enquanto fala, tem o olhar perdido algures no quadro indiano que temos à frente. Um quadro de belas mulheres, nuas, e um músico de cítara, que, no entanto, está fixo apenas numa delas, que enverga uma bela túnica azul turquesa. Perco-me por momentos no quadro também. Será que o músico está apaixonado ? Tem ali tantas mulheres à volta, tantas tentações, tanta beleza. Mas é a da túnica que recebe a sua atenção... Ele já nao fala. Regresso da história indiana e olho-o.

Ele olha para mim com aquele olhar penetrante. E perfurante. Invasor... Está à espera de uma resposta.

 

 

"Prometo."

Um abraço amigo sela a conversa, e a promessa.

 

 

 

 

O homem do bar vem oferecer-nos um novo chá, pergunta se queremos experimentar, ele oferece.

Vermelho, doce, e saboroso! Hm... gosto!
"Chama-se Paixão do Deserto".

 

"O homem deve pensar que somos namorados."

"Que filme de terror!"

"Eu diria ficção científica!"

"Ou talvez um drama!"

 

E voltamos às piadas do costume, ao conforto, à empatia / sintonia que sempre nos caracterizou. Talvez mais unidos, e seguramente mais amigos.


"Quem se aborrece com a repetição, porque não é capaz de gozar as subtis diferenças que ela nos traz, não conseguirá mais do que repetir o seu aborrecimento, mudem o que mudarem os seus hábitos quotidianos". (Fernando Savater)
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